Valor: aumento de IOF e VGBL: veja o que muda na previdência privada
- patriciamalteca
- 24 de mai.
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Já está valendo o decreto do Governo Federal que traz uma série de mudanças na cobrança do Imposto sobre Operações Financeira (IOF), imposto federal cobrado de pessoas físicas e jurídicas (empresas) em alguns tipos de operações financeiras. As mudanças anunciadas nesta quinta-feira são sobre três grupos de operações: crédito de empresas, câmbio e seguros. E com o novo IOF para seguros, quem faz aportes em seguro de vida com cláusula de sobrevivência, como VGBL, deve estar atento às novidades, que desagradaram especialistas ouvidos pela reportagem.
Com o decreto, passará a incidir IOF de 5% sobre aportes mensais superiores a R$ 50 mil em plano de previdência do tipo Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL). A tributação é aplicada no momento do aporte.
O governo diz que a função do decreto, como um todo, é a harmonização da política fiscal com a tributária, de forma a impulsionar o esforço do Banco Central para a redução de juros. Mas, na prática, o IOF cobrado sobre a maior parte das operações financeiras serve para gerar receita para a União. Com o novo decreto, parte dessa nova receita virá desse seguro.
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que a medida busca corrigir uma brecha de evasão fiscal. Os planos de previdência, segundo a autarquia, estavam sendo usados por pessoas de alta renda como se fossem fundos de investimento.
“Com o início da tributação dos fundos de investimentos fechados no ano passado houve uma migração do público de alta renda para o VGBL, que não tem a chamada come-cotas e permite, ao se optar pela tabela regressiva de Imposto de Renda, a tributação só no resgate. A mudança de agora é para que essa importante ferramenta de previdência não seja usada pra evitar tributação”, afirmou.
A Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi) ainda não comentou as mudanças.
Mas na avaliação de Edgar Santos Gomes, sócio do TAGD Advogados, o governo se aproveita do fato de que sobre planos de seguro de vida com cobertura por sobrevivência (VGBL) não incidem o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) para aplicar uma nova tributação.
“Essa suposta distorção, se existente, deveria beneficiar com o imposto estados e não o Governo Federal. A alíquota instituída de 5% é, inclusive, superior ao do ITCMD em alguns estados, como São Paulo, Paraná e Espírito Santo, por exemplo. Não passa de novo aumento da carga tributária federal sob alegação de justiça fiscal”, argumenta.
Para Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Advogados, a brecha de evasão fiscal citada pelo governo como motivadora da mudança de tributação pode persistir se houver fragmentação de aportes para evitar o limite.
Já para Raphael Okano Oliveira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do CTM Advogados, a medida do governo pode ser eficaz, mas não se descarta a possibilidade de um afastamento do público desse produto em específico.
“De fato, essa tributação vai atingir apenas aqueles contribuintes de alta renda, mas pode haver uma migração para outros produtos que são tributariamente mais benéficos e atraentes. Então, nesse cenário você tem seguro de vida internacional, você tem alguns outros produtos oferecidos que não contemplariam essa tributação. Minha impressão é que é mais uma medida arrecadatório do governo”, pontua.
O IOF foi criado para cumprir uma função extrafiscal (regulatória), ou seja, induzir determinados comportamentos econômicos, como incentivar ou desestimular o consumo, incentivar ou desestimular o crédito, incentivar ou desestimular remessa de recursos para fora. Mas também contempla a função fiscal, que é arrecadar recursos para o governo federal.
Para Victor Bastos da Costa, advogado especialista em Direito Tributário e sócio da Andrade GC, as mudanças feitas pelo governo em relação ao IOF “deixam clara a insistência em medidas fiscais meramente paliativas e de curto prazo” e jogam uma luz cinzenta sobre quem faz uso de planos de previdência complementar, como o VGBL.
“Há uma presunção perigosa de que qualquer aporte superior a R$ 50 mil é sinônimo, então, de uso previdenciário ilegítimo. Parte-se da premissa de má-fé das pessoas que se utilizam do VGBL. Afirmam que essa linha de corte tem por objetivo preservar os investidores com aportes de até R$ 50 mil, mas na verdade não se ataca o núcleo estrutural dos problemas da economia. O Brasil arrisca ainda mais sua reputação e afasta investidores, transmitindo insegurança e falta de seriedade”, critica.
O Governo afirma que, em conjunto, os ajustes no IOF sobre crédito de empresas, câmbio e seguros podem gerar impacto na arrecadação de R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026.
Guilherme Martins, sócio de tributário do Souza Okawa Advogados observa que o IOF tem um potencial baixo de arrecadação em comparação a outros tributos, representando pouco mais de 2% do volume total dos tributos arrecadados pelo Fisco Federal. Além disso, a decisão de passar a tributar em 5% os aportes mensais em VGBL superiores a R$ 50 mil pode esvaziar a atratividade do instrumento e a sua principal função.
“A justificativa é a correção de distorções, sob o argumento de que os planos vinham sendo utilizados como instrumentos de baixa tributação — o que não é necessariamente verdade, já que a alíquota inicial do Imposto de Renda é de 35% e somente passa para 10% quando mantido o investimento por mais de dez anos. A redução gradual na alíquota do IR ao longo do tempo existe justamente para estimular a manutenção dos aportes para cumprir a função de plano de previdência. Com a tributação, estimula-se a busca por opções que não prestigiam os resgates de longo prazo.”, analisa.
Na avaliação de Morvan Meirelles Costa Junior, sócio fundador do Meirelles Costa Advogados, mesmo que a medida seja vista por alguns como “bem-intencionada”, ela não parece adequada aos objetivos fiscais e econômicos esperados, e ainda pode acabar sendo contestada na Justiça no futuro.
“Do ponto de vista da justiça fiscal, considerar apenas o valor investido pelo contribuinte pode ser uma simplificação exagerada, deixando de lado outros fatores que fazem parte da sua realidade. Essa abordagem pode, inclusive, ser questionada por violar princípios constitucionais, como os da livre iniciativa e da isonomia. Não é difícil imaginar que alguém que, de fato, busca segurança para a aposentadoria e tem recursos suficientes para investir nisso, acabe sendo penalizado de forma injusta – o que pode configurar uma discriminação inconstitucional”, argumenta.
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